Inflação:
1) Acto ou efeito de inflar
2) Subida generalizada e contínua dos preços
3) Extensão ou aumento considerado excessivo de um fenómeno
Na primeira procura no dicionário que faço da palavra são estes os sinónimos que encontro. Quando perguntarmos ao cidadão comum teremos óbviamente uma associação ao aumento dos preços (até pela actual conjuntura) e os outros dois significados da palavra não serão tidos como relevantes... o que é pena.
Nos dias de hoje a inflação é vista como algo inevitável. Esta geração sempre viveu com inflação, nunca conheceu outra maneira. Temos até rituais de inflacionar artificialmente os preços, todos conhecemos o ritual do 1º de Janeiro em que passamos a pagar mais 5 cêntimos pelo nosso café simplesmente porque acabou o ano civil, como se de repente a produção mundial de café tivesse sido atingida por um dos foguetes lançados na noite anterior e tivesse queimado as plantações de café e nós não temos outro remédio que pagar pela escassez do mesmo.
Na realidade, esses rituais do 1º de Janeiro devem-se não à inflação directa mas sim a expectativas de inflação futura. O dono do café espera que os seus custos com salários, água, fornecedores, etc. subam durante o ano e como tal precavê-se logo no inicio. Se os seus custos se mantivessem não haveria razão para alteração de preços e se o fizesse estaria a dar armas aos seus concorrentes (aliás... existe um outro ritual de Janeiro que consiste em encontrar o café que ainda não subiu o preço da bica).
Conclusão óbvia para quem bebe café: a inflação é chata - devíamos acabar com isto não fosse obviamente a inflação uma força do destino. Ou não?
Houve tempos, séculos... em que não houve inflação (uma subida generalizada e contínua dos preços, obviamente sempre houve variação nos preços consoante a lei da procura e da oferta) como a conhecemos hoje. Este é um fenómeno bem recente e surge das outras definições da palavra.
Existem uns senhores que ocupam os centros de decisão monetária (como o Banco Central Europeu e a Reserva Federal Americana) que decidem inflar a massa monetária em circulação... ou de outra forma causam o aumento excessivo de massa monetária... ou ainda de outra forma, criam tantas notas que existe uma abundância de dinheiro em circulação.
Além dos impostos e da emissão de dívida publica, a impressão de dinheiro é a terceira via que um Estado tem para se financiar. Imaginemos que Portugal ainda estava fora da moeda única europeia e lhe dava na cabeça para construir uma qualquer coisa megalómana como um Aeroporto novo ou uma linha de comboio de alta velocidade no meio do deserto. Ou taxava-nos até à morte (alguns contribuintes não deve faltar muito...), ou emitia titulos de dívida publica que investidores haviam de comprar (estando obviamente à espera de um retorno quando o Estado devolvesse o dinheiro) ou pura e simplesmente imprimia notas suficientes para pagar ao empreiteiro.
Esta terceira medida (e a segunda normalmente resultava em o Estado imprimir as notas para pagar os emprestimos mas de uma forma mais dissimulada) é de facto o que causa a inflação – o crescimento da massa monetária. Continuando com o exemplo do empreiteiro este está a receber dinheiro fresco que vai ser injectado na economia real – vai ser pago a fornecedores e a empregados, que sucessivamente vão usar para ir às compras, etc.
Esta nova riqueza que surge através do novo dinheiro terá que ser absorvida pelo mercado e haverá agora mais dinheiro a competir pelas mesmas mercadorias. Isto fará com que os preços subam uma vez que há mais dinheiro para gastar. O pior é que esta riqueza é distribuida numa base “first come, first served” ou numa tradução lata... o primeiro a chegar é que fica a ganhar.
Reparemos que neste caso o primeiro a obter o dinheiro “grátis” é o Governo – ganhou um aeroporto de borla.
De seguida temos o empreiteiro (estou a simplificar, fazendo de conta que apenas uma entidade era responsável pela obra) – com este novo dinheiro pode pagar aos empregados acima do mercado garantido know how e pagar um prémio aos fornecedores para entregas mais rápidas (prejudicando quem estava antes no mercado).
De seguida, os empregados enriquecidos com o novo dinheiro irão (por exemplo, simplificando de novo) jantar fora todos os dias e distribuem o novo dinheiro pelo dono do restaurante (eles iam todos jantar ao mesmo sitio). O gerente do restaurante devido ao interesse no lombo de vaca vai dispersar o dinheiro pelo talho que começa a ter dificuldades em fornecer todos os pedidos e brevemente começa a ter que pagar um prémio ao seu fornecedor para garantir que tem carne suficiente. Efectivamente o preço da carne de vaca vai aumentar. O gerente passa esse custo aos seus clientes e diz que a culpa é do homem do talho, os clientes não se importam porque sentem que “ganham bem acima do mercado”.
Parece que correu tudo bem e o mercado se ajustou ao novo fornecimento de dinheiro. Infelizmente a Dona Lurdes que já tem 70 anos e não trabalha e vive apenas do que juntou durante os seus anos de trabalho está fora do circulo deste novo dinheiro e tem apenas acesso ao dinheiro que foi obtendo durante a sua vida. Efectivamente, quando o preço da carne de vaca aumenta o dinheiro da Dona Lurdes perdeu valor e queixa-se da inflação – o acto continuado dos preços pela simples razão dos governantes aumentarem excessivamente o dinheiro em circulação.
Obviamente todo este processo, aqui simplificado, demora anos e não é feito com um ou dois aeroportos ou TGVs ou auto-estradas. Mas, diz o ditado, mil milhões aqui, mil milhões ali e de repente estamos a falar de dinheiro a sério. Observando o gráfico em anexo podem ver que desde 1998 a Massa monetária (M3) praticamente duplicou – isto foi antes das injecções de capital de emergência que o BCE fez quando rebentou a crise hipotecária nos EUA (injecção de capital, quando feita por um banco central, é outro termo para “impressão livre de notas”).
Por alguma razão os nossos governantes achavam que este dinheiro ia ficar escondido debaixo de um colchão de alguém e que nunca iria entrar na economia a ponto de causar o aumento dos preços. Agora que o efeito está à mostra no preço de tudo apontam o dedo aos especuladores como se não fosse nada com eles.
O povo claro, esse iluminado... faz boicotes à GALP!
Nem um único partido critica as politicas monetárias seguidas (nos EUA tem sido pior ainda. A Reserva Federal Americana deixou até de publicar o M3 há dois anos quando atingiu níveis históricos) porque sem estas politicas de “dinheiro grátis” era impossível seguir as politicas deficitárias que apoiam com rendimentos mínimos garantidos e sistemas de segurança social que se fossem postos em prática por uma qualquer entidade privada seriam de imediato presos por fraude.
Mas o povo, claro... esse acha normal que descontando 300 euros por mês durante 40 anos vai ser possível ter uma reforma de 600 euros por mês durante 30 anos. Não é que não saibam fazer contas, simplesmente acham que é possível ter algo de borla porque é isso que lhes foi prometido pela classe política e se a geração anterior beneficiou deste sistema a geração actual também se sente (justamente) no mesmo direito.
Não há almoços grátis e o que estamos a ver é simplesmente a conta do que andámos a ir comer fora estes anos todos sem pagar. Resta saber se vamos responsabilizar a GALP ou alguém que tenha tido mesmo culpa no cartório.
PS: O artigo já vai longo e aborda muitas áreas. Tentarei no futuro escrever uma série de artigos mais pequenos sobre a história do dinheiro e o processo “moderno” da criação/inflação do mesmo (a segurança social é uma guerra à parte). Comentários ou dúvidas estejam à vontade.
terça-feira, 3 de junho de 2008
Inflacção? O que é?
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