quinta-feira, 10 de setembro de 2009

TGV em ponto pequeno

Esta semana chegou-me às mãos uma nova polémica via Caldeirão: o facto de as portagens na A21 passarem de 60 cêntimos para 2.10 Euros, um aumento de cerca de 250%. Obviamente apareceram os sujeitos do costume a dizer que era um roubo, que não podia ser, que estavam a ser explorados, que as pessoas da Ericeira não podiam suportar este custo e inclusive houve quem se queixasse de ficar sem dinheiro para o tabaco com este grave aumento. A minha costela liberal ficou logo de pé atrás, estranhei em primeiro lugar que a portagem fosse tão barata anteriormente e ontem durante o dia dei por mim a saber mais sobre a A21 do que aquilo que uma pessoa saudável, sem nenhum interesse nessa via, deveria saber.

As coisas que aprendi:
- Existe uma alternativa à A21 gratuita que se chama N116. Ouvirão dos senhores que usam a A21 que esta alternativa não é viável por uma série de razões, basicamente todas elas se poderiam aplicar à marginal de Cascais ou à N1 alternativas gratuitas, para quem não sabe, à A5 e A1 que são pagas. Portanto uma vez que estas duas são pagas havendo alternativa não há razão para a A21 ser subsidiada.
- Existe uma carreira (transportes públicos) Ericeira-Lisboa que de segunda a sexta tem da parte da manhã saídas de 20 em 20 minutos para que quem queira continuar a fumar o possa fazer mesmo com aumento das portagens.

E isto é só para dar uma ideia de porque é que a portagem deve ser paga. Depois chegamos à questão do preço, para termos a ideia de se há ou não”justiça” nos valores pedidos. Munido com o site da ViaVerde para saber o valor das portagens e com um documento da Brisa para saber o número de Km em cada lanço da auto-estrada (e com o Marco António a fazer contas) pude chegar honestamente à conclusão que, com portagens de 2,10€ para aquele troço da A21 esta se torna numa das auto-estradas mais caras do país a nível do preço por Km. Chego também à conclusão que se mantivesse o preço de 0.60€ esta auto-estrada seria anormalmente barata, custando praticamente 1/3 do que custam a maioria das auto-estradas portuguesas. O valor “justo” (comparando com outras auto-estradas) seria sempre algo a entre os 1,50 e os 2,00 euros.

Tentei descobrir mais ainda sobre este caso, nomeadamente o que causou este aumento abrupto em época nada propicia a isso como são tanto as eleições legislativas como as autárquicas onde deixo aqui este link para a noticia do Destak onde é referido que a auto-estrada actualmente incorre em prejuízos diários estimados em 30 mil euros. Mais, o aumento verificado para 2,10€ não chega para estancar esta hemorragia financeira:

Em 2008, a Câmara de Mafra propôs à Estradas de Portugal a venda da auto-estrada A21-Malveira/Mafra/Ericeira, construída pela autarquia, por 270 milhões de euros, por estar a ter prejuízos diários calculados em 30 mil euros com a gestão e manutenção da via.
A Câmara de Mafra tem vindo a assegurar a gestão e manutenção da auto-estrada, assumindo por dia um prejuízo de cerca de 30 mil euros, que será agora minimizado com o aumento das portagens.


O que se passa então na A21? Como é que uma das auto-estradas mais caras de Portugal não consegue cobrar as despesas em que incorre? Como é que uma auto-estrada daquele tamanho custa 30 mil euros por dia a manter? O PCP explica:
Em 2006 e em 2007, as receitas da MAFRATLANTICO, cujo presidente é o Sr. Ministro, foram apenas de 4,6 milhões de euros, enquanto só os juros, referentes aqueles dois anos, do empréstimo que esta empresa municipal contraiu junto à banca atingiu 17,1 milhões de euros., ou seja, só os juros foram 3,7 superiores à totalidade das receitas.

O custo de construir esta auto-estrada, a primeira em Portugal construída por uma câmara municipal porque, segundo o presidente, “não podia esperar pelo poder central”, nem pelos privados, foi de 270 milhões de euros. Como a câmara não tinha este dinheiro o presidente não foi de modas e endividou o município até às pontas do cabelo e colocou a portagem a um valor estupidamente baixo que gerou um buraco superior a 10 milhões de euros por ano. Deixar esta portagem nestes valores durante todo este tempo foi uma estupidez só comparada ao acto de se endividarem daquela forma para construir esta coisa. A estarem correctos os números em cima pode-se concluir que nem um aumento da portagem para 2,20€ chegaria (os 60 cêntimos a multiplicar por 3,7, supondo que as receitas da AE são todas de portagens o que duvido) para cobrir as despesas da dívida contraída uma vez que é expectável que com esse preço baixe o tráfego na via fazendo com que a questão não seja de resolução linear.

Confrontado com este futuro financeiro ruinoso, a câmara de Mafra prepara-se agora para largar a A21 no colo da EP (Estradas de Portugal) financiada obviamente pelos impostos de todos, aqueles todos que pagam à administração central pela qual o presidente de Mafra não podia esperar para hipotecar a vida dos seus cidadãos.

Porque razão devemos nós, os que não votaram naquele senhor para fazer esta asneira e os que não tiram qualquer beneficio daquela Auto-Estrada financiar este projecto? A resposta é, obviamente, que não só não temos nenhuma obrigação moral de pagar por isto como temos um dever cívico de nos impor-mos a esta tentativa de passar os custos para a população em geral quando apenas uma pequena parte é beneficiada, razão pela qual sou o primeiro subscritor desta petição. Será que os utentes desta auto-estrada que tanto protestam pelos preços das portagens também querem que o resto do país lhes pague os juros das casas que compraram?

Que soluções então para a A21?

1) Os utentes terão que pagar a megalomania da Câmara de Mafra (com uma portagem superior a 2.20€)
2) A MAFRATLANTICO terá que ir à falência e os credores venderão a auto-estrada (ou os terrenos sem auto-estrada, o que valer mais) a quem pagar mais. Se aceitarem 80 ou 90 centimos por euro talvez saiam disto com alguma dignidade (e dinheiro).
3) Nacionalizamos a A21 e os credores que se lixem, afinal são lixo capitalista e as pessoas têm direito ao seu dinheiro e ao seu trabalho, ou à A21 de borla que é a mesma coisa.
4) Mandar os outros que nada têm a ver com esta salganhada pagar a conta.

Se as opções 3 e 4 lhe parecem uma aberração fico feliz de não estar sozinho e convido-o a assinar também esta petição. Estude bem este caso pois daqui a uns anos estaremos a falar nos mesmos termos sobre o TGV ou o novo aeroporto de Alcochete – o modelo de financiamento é exactamente o mesmo: endividamo-nos agora e depois alguém há-de pagar. Isto é o que acontece quando o “alguém” vai de férias.

6 comentários:

Anónimo disse...

Já está assinado. também dei de caras com esta discussão no caldeirão, que vem um bocado na linha da outra acerca dos ordenados. Há mesmo muita iliteracia económica em Portugal...

Já agora, afinal quanto ganha o homem da bomba? :)

Abraço,

JagoZ disse...

sou da ericeira mas trabalho na ericeira , por isso pouco uso a auto-estrada , embora agora ainda va usar menos , mas nao quero que o estado pague este "sonho" do presidente da CMM (principal acionista privado desta empresa ),e muito menos a camara (todos os contribuintes do conselho ) paga quem usar e se falir melhor ainda .

a ericeira foi a 2ª terra turistica de Portugal , hoje esta transformada num suburbio , mas longe muito longe de ser um suburbio que possa rentabilizar uma auto-estrada . . . a realidade chegou aqui mais cedo que ao resto do país que ainda sonha com tgvs e areoportos gigantes . .

Nuno Branco disse...

"a realidade chegou aqui mais cedo que ao resto do país que ainda sonha com tgvs e areoportos gigantes"

Jagoz,

Como eu te compreendo... como eu te compreendo.

Jack disse...

Algo interessante esta sua dissertação. Mas não sei se sabe que, por exemplo, o troço Venda do Pinheiro/Mafra foi contruído sobre uma estrada nacional que servia como alternativa à N116, sendo que essa ligação está cada vez mais sobrelotada e agora agravada com os que não vão querer pagar a AE, já para não falar do acréscimo de trânsito em tempo de aulas causado pelo acesso ao colégio Santo André, que estupidamente foi contruído naquele local. Ora essa ligação foi pura a simplesmente "retirada" aos habitantes dessa zona.
Pelas suas palavras, esses cidadãos que antes podiam fazer esse percurso sem congestionamentos vão ter agora que sofrer as consequências ou pagar só porque lhe alargaram a estrada sem que o tivessem pedido.

MC disse...

"esses cidadãos que antes podiam fazer esse percurso sem congestionamentos vão ter agora que sofrer as consequências ou pagar só porque lhe alargaram a estrada sem que o tivessem pedido."

Esse facto não deriva das palavras do post mas antes são a dura realidade duma economia mista.

Nuno Branco disse...

Eu não disse que os cidadãos não foram prejudicados pela incpmpetência e má gestão de quem decidiu construir e gerir a A21.

Parece-me claro que a A21 nunca devia ter sido construída, não tem tráfego que justifique a sua existência como se vê pelos prejuízos acumulados. Outras soluções ferroviárias haveria para Mafra-Ericeira muito mais baratas e mais ajustadas ao tripo de trânsito existente mas esse tipo de vias não serviria para a megalomania do presidente da Câmara e portanto aqui estamos nós.

Alguns cidadãos foram vitimias? Sim.

Isso dá-lhes o direito de prejudicar os que (ainda) não foram? Não.