terça-feira, 23 de junho de 2009

Hambre...

Fui surpreendido esta manhã com a crónica de Fernando Alves na TSF “Save the Children” onde nos remete para uma reportagem do jornal espanhol La Vanguardia sobre o trabalho infantil no Peru e o tratamento que as crianças que necessitam de trabalhar para comer têm não só do seu governo local que chega a encarcerá-las em albergues como também da pressão das organizações internacionais que Victor Bryan diz serem cegas às realidade locais e que querem impor um estilo de vida ocidental onde ele não é fisicamente possível.

Si le preguntas si fue víctima de explotación infantil, Victor Bryan contesta enojado: "Los países del norte no conocen la realidad que allá vivimos [...] Un niño puede trabajar si tiene tiempo para estudiar y recrearse si no lo hiciera, moriría de hambre”.

“Hambre” é mesmo fome e quando lhe perguntam qual é a sua maior preocupação responde simplesmente que é não o deixarem ganhar o seu sustento e pede que o deixem em paz:

Que las organizaciones internacionales no propongan leyes para los países latinos. Ahora se va a modificar el código de los niños trabajadores y los especialistas se basan en las leyes internacionales sin profundizar en la realidad de los distintos países.

Não pude depois de ouvir e ler isto de deixar de pensar num artigo de Robert Hessen The effects of the industrial revolution on women and children. Onde o autor tenta desmontar a ideia de que de alguma forma o trabalho infantil é culpa do capitalismo. Lendo apenas os primeiros parágrafos podemos se calhar chegar a outra conclusão:

In 1750 England's population was six million; it was nine million in 1800 and twelve million in 182, a rate of increase without precedent in any era […] the proportion of those born in London dying before five years of age fell from 74,5% in 1730-49 to 31,8% in 1810-29. Children who hitherto would have died in infancy now had a chance for survival.

Quem condena a acumulação de capital e o empreendedorismo por aquele tipo de trabalho infantil nas primeiras fábricas é gente que tem uma visão idílica da sociedade da altura, onde para eles as crianças passeavam alegremente pelos campos, deitadas nos pastos verdes a admirar o sol e a correr felizes entre os campos dourados de trigo até ao dia em que surgiram as fábricas. A realidade é obviamente diferente e mais sombria: antes de terem emprego nas fábricas estas crianças morriam à fome.

É exactamente esta visão que têm os que nunca tendo posto os pés no Peru acham que havendo um tratado internacional banindo o trabalho infantil estas crianças irão alegremente para as suas escolas estudar e brincar ao peão nas horas vagas quando na verdade apenas as condenam à morte.

O caminho para acabar com estes casos é o mesmo que seguiu a Europa: deixar as pessoas em paz, deixa-los trabalhar e através da tecnologia e aumento da produtividade foi finalmente possível para os pais sustentarem os seus filhos sem ser necessário que estes ultimos trabalhassem. Mas no Ocidente muito poucos compreendem que os recursos não são infinitos (habituados a consumir este mundo e o outro, muitas vezes sem capacidade para tal) e ficam escandalizados em saber que no Peru ainda se passam estas coisas (nos anos 80 o Peru mergulhou num Estado Comunista / Socialista com intenções de igualar os rendimentos e as condições sociais de todos os cidadãos, o programa político teve sucesso quando todos os cidadãos ficaram igualmente na miséria e na fome. As reformas mais liberais que acontecerem desde 1993 até hoje apenas conseguiram, segundo a Wikipedia, que o nível de riqueza voltasse ao que era antes do Comunismo chegar ao poder – o Peru perdeu 25 anos de progresso) e sentem-se incomodadas mas é uma realidade do nosso mundo que a comida não cai do céu, não interessa o quanto o desejemos.

Vale a pena pensar sobre isto.

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