quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Como as injecções de liquidez afectam a inflação

Perguntaram-me hoje que relação tinham as injecções de capital com a inflação nos índices de preços ao consumidor. Aqui fica a minha resposta:

Existem várias teorias mas a mais fácil de perceber é simplesmente através do efeito procura/oferta. Existe mais dinheiro no mercado enquanto que os bens disponíveis para serem consumidos são os mesmos portanto é natural que eles subam em termos de dinheiro.

Note-se que o valor dos bifes continua o mesmo mas é o valor do dinheiro que baixa por este existir em excesso. Isto é o que eu considero a "inflação percepcionada" pelo consumidor. A inflação real é automática e é para mim simplesmente a taxa de crescimento do dinheiro disponível no mercado, simplesmente este dinheiro todo que é criado (e estamos a falar de percentagens com dois digitos) leva tempo a chegar ao consumidor final e às vezes demora anos para que a criação do dinheiro tenha efeitos que os consumidores considerem inflacionistas.

Por exemplo, há mais de uma década que o crescimento da massa monetária M3 está a crescer acima dos 10% nos EUA mas nem por isso se tem feito sentir esse efeito na carteira dos consumidores (com ou sem manipulação nos calculos do CPI) e isto deve-se a vários factores:

1) A "criação de riqueza" (na realidade ela não é criada mas sim transferida do fundo da cadeia para o topo da cadeia do dinheiro) fica restrita aos que estão mais perto da fonte do dinheiro. Se alguém se perguntou porque é que estamos em níveis históricos de diferenças entre ricos e pobres basta olharem para os bancos centrais. Neste caso quem está no topo da cadeia é quem está mais perto da criação do dinheiro - i.e. quem negoceia com sucesso obrigações de tesouro. Enquanto o dinheiro não descer pela cadeia não é notada a inflação.

2) Muito do dinheiro criado está nas mãos de estrangeiros como os Sauditas. Este dinheiro não entra na economia de produtos básicos (normalmente é usado para especular ou para guardar em titulos de tesouro) e portanto não cria expectativas inflacionistas.

3) Houve desde o inicio dos anos 90 um enorme boom de produtividade. Isto significa que há mais dinheiro a circular mas também há mais produtos onde este pode ser gasto contendo assim a pressão inflacionsta. A globalização permitiu conter em muito estas expectativas até pela baixa de custos na produção de alguns produtos (e.g. tecnologia).

4) Nos ultimos anos a inflação esteve contida em pequenos sectores em que os consumidores até acham benéficos como os índices accionistas (welcome to 2000) e o mercado imobiliário (uma casa para todos, até para quem não tem ordenado). Apenas agora se vê o dinheiro a sair desses sectores e a espalhar-se por áreas menos agradáveis como o petróleo, trigo, açucar e todo o tipo de bens que as pessoas realmente precisam (e que normalmente não servem de colateral para empréstimos icon_razz.gif)

É acima de tudo perceber que a riqueza é criada por quem trabalha e produz. Imprimir notas não é solução de riqueza, crescimentos do PIB a 3% não são nada quando são medidos em dolares que foram imprimidos a uma taxa de 5% (na realidade quer dizer que houve um crescimento do PIB negativo). Mas claro, com a remoção de qualquer medida objectiva de riqueza é fácil manipular os números.

Imagina um engenheiro que construísse estradas e fosse forçado a trabalhar com uma unidade de medida como o dolar (flutuante). Um dia um metro era 90cm no outro 50cm e no seguinte 70cm ... no final de contas quantos metros tem a estrada? No final de contas com o PIB sempre a crescer porque é que não o sentimos nas nossas carteiras?

Fica o gráfico do FMI... o mundo é um mar de rosas não é?



Continuo a manter que apesar de ser detestável é a solução preferida pelos banqueiros centrais de todo o mundo. Isto porque a inflação é a melhor maneira de se sair da divida (afinal de contas se o dinheiro vale menos é mais fácil pagar o que devemos) e principalmente porque eles temem muito mais uma depressão deflacionista (como 1929) do que uma inflacionista. Para quem vive ordenado a ordenado pouco interessa, de uma forma ou de outra o sofrimento com ajustamento à nova realidade será doloroso (demasiado para alguns).

No limite a FED desejaria criar tanto dinheiro quanto necessário para que o preço das casas medidos em dolares ficasse na mesma como estava em 2006 ou que o preço das acções se mantivesse como estava. Mas o problema é que a FED cria esse dinheiro mas normalmente não o aplica, quando o dinheiro chega às mãos dos investidores eles tanto podem comprar casas como petróleo e não é bem isso que a FED pretende... mas com os novos passos em que o dinheiro criado pode ser utilizado para nacionalizar empresas sem perguntar nada aos accionistar torna-se mais fácil controlar onde vai parar o novo dinheiro.

Muito para pensar...

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