quarta-feira, 14 de julho de 2010

A "fascização" da crise

Artigo originalmente publicado aqui.


Com todo o respeito pelo André, concordando com a sua conclusão de que a crise vai chegar a mais pessoas, discordo de praticamente tudo o resto. A ameaça não está na inflação nem necessariamente nas taxas de juros mas sim na deflação. A parte da população (em que felizmente me incluo) que manteve o seu emprego e os seus rendimentos tem sido realmente privilegiada por uma baixa de preços e da baixa da prestação da hipoteca (que reflecte uma taxa de juro particular). Esta parte da população, tirando os funcionários públicos que serão sempre os últimos a sofrer o que quer que seja, está realmente em risco mas não é de ver o seu rendimento diminuído pela inflação… está em risco de ver o seu rendimento pura e simplesmente desaparecer por falência do empregador.

Quanto aos medos da inflação devido à inundação de notas podemos ver aqui na imagem em baixo que o grande dilúvio já passou.



Não nos devemos esquecer que além da quantidade de dinheiro disponível (oferta) para podermos ter uma ideia do futuro caminho dos preços precisamos também de saber quais são as intenções dos consumidores (procura) e a realidade é que continua a haver uma grande procura de cash. Massa monetária a crescer a 0% e maior procura por dinheiro equivale a uma descida generalizada dos preços ou deflação no sentido comum da palavra.

Neste período de deflação as taxas de juro não se comportam de forma homogénea. Ignorando por breves momentos que não estamos num mercado livre o simples facto de as pessoas quererem aumentar as suas reservas de dinheiro (como vimos em cima) significa que têm menos para emprestar, logo as taxas de juro devem (genericamente) subir. As taxas de juro estáveis e historicamente baixas são apenas observáveis durante largos períodos de tempo num sistema monetário estável com recurso ao padrão ouro, o sistema em que vivemos quer esteja em inflação ou deflação apenas consegue fornecer taxas de juro manipuladas e instáveis. O gráfico em baixo mostra um cenário normal para deflação:



Como podemos ver nos últimos meses há taxas de juro que sobem e outras que descem. O raciocínio é simples, conforme existe uma maior necessidade de dinheiro e de o preservar os aforradores e investidores fogem de toda a dívida que seja dúbia e abdicam de um maior retorno por uma maior segurança. Não é difícil compreender que a Alemanha tenha hoje taxas de juro mais baixas que há 6 meses atrás enquanto que “lixo tóxico” como Portugal e Grécia estejam exactamente na situação oposta, nem a manipulação do BCE conseguiu alterar isto… apenas abrandar o ritmo. Ironicamente, os EUA com a sua economia completamente estropiada apresentam-se como o maior beneficiário de uma baixa das taxas de juro fruto do USD e do seu papel como moeda de reserva mundial.

Mais: os fundos que os Estados estão a tomar dos aforradores são fundos que não estarão disponíveis para o sector privado e são estes que vêm as suas taxas de juro aumentar. Não é segredo nenhum que o sector privado está altamente endividado e os maiores custos que vão ter com os empréstimos, conjugado com uma receita diminuída própria de deflação é o que vai enviar os que até agora estiveram protegidos da crise para o desemprego. Com pacotes salariais altamente rígidos e a lei que temos vai ser muito difícil (genericamente) renegociar em baixa os salários das pessoas, o que seria a única coisa que poderia salvar o seu emprego. Os que tiverem os seus rendimentos compostos de partes variáveis (raro em Portugal) serão os que mais facilmente poderão contribuir para a estabilidade da empresa e do seu posto de trabalho.

Quanto às hipotecas não é liquido que subam, aquilo é uma taxa de juro de amigos para amigos e algo que o BCE tenta influenciar ao contrário dos empréstimos que o banco XPTO faz à empresa ABC onde a interferência do BCE faz indirectamente com que estes subam. O funcionalismo público continuará a estar protegido até porque se os custos dos juros da nação subirem exponencialmente teremos uma “solução Grega” para os problemas nacionais com a UE/FMI a emprestar-nos dinheiro fora do mercado principal.

Conclusão: Vai haver mais afectados pela crise mas não vai ser muito democrático. O funcionalismo público continuará a estar protegido como sempre às custas do sector privado que continuará a pagar a crise, os que tiverem a sorte de fugir ao desemprego pagarão pelos impostos. Uma inflação galopante e a verdadeira democratização só aparecerão depois de um sigma 10 no sistema financeiro que se concretizará por uma falência soberana relevante como, por exemplo, Espanha. Até lá continuaremos os mesmos… na mesma. Inclusive o PSD.

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