quinta-feira, 1 de abril de 2010

Discussão no ThinkFN

Este texto foi escrito numa discussão no forum ThinkFN e decidi partilhar convosco. Espero que gostem. Para entenderem o contexto leiam aqui.

Race to the bottom:
Como o Inc disse isto é um mito, não existe uma corrida até ao fundo mas sim um encontrar do equilíbrio entre os vários mercados hoje em dia globalizados. Podemos pensar neste tema de uma forma que os portugueses se relacionam mais directamente como foi a entrada inicial do nosso país na UE. Também os alemães e franceses poderão nessa altura ter pensado que estavam a entrar numa “race to the bottom” quando viram os nossos ordenados num mundo sem alfândegas, mas nós subimos o nosso nível de vida. Ou seja, não piorámos todos. Uns ficaram pior, outros ficaram melhor demonstrando que a tese do equilíbrio é a correcta e não um esmifrar da população global.

A deslocação da INDITEX para Marrocos fará a mesma coisa. Criará procura no mercado de trabalho marroquino que só poderá ser satisfeita pagando pelo trabalho das pessoas quantias que antigamente não estavam disponíveis nesse mercado. Ganharam os trabalhadores marroquinos, perderam os trabalhadores do Rio do Ave. Mas mais importante: ganharam os biliões de potenciais consumidores da INDITEX.

Yuan:
É verdade que a China faz batota com a sua moeda. É verdade que isto faz deslocar postos de trabalho para a China. É falso que sejamos uns grandes prejudicados, no imediato, por isso. Na realidade o grande prejudicado é o típico trabalhador Chinês e o principal beneficiário é o típico consumidor ocidental. Esta manipulação da moeda faz com que os chineses praticamente nos enviem os seus produtos de borla, é uma das razões porque é possível termos alguém a receber subsídios para não fazer nada e esta pessoa ter produtos para comprar.

Se os chineses em vez de ficar com a nossa dívida em troca dos seus produtos pedissem bens em troca seríamos nós os prejudicados. Teríamos que passar a trabalhar e fabricar algo de interesse para os chineses se queríamos as coisas deles e por sua vez os chineses iriam aumentar a sua qualidade de vida já que teriam algo em troca do seu trabalho mais útil do que aquilo que hoje em dia recebem. Nós temos um “esquema” que nos permite esmifrar os chineses com o consentimento e apoio do seu governo. Não são os trabalhadores chineses os maus da fita por trabalharem barato.

Sustentabilidade do sistema:
A sustentabilidade do sistema (ou falta dela) já vem muito de trás. É irrelevante vir dizer que nos anos 80 o Estado Social funcionava na perfeição ou que era tudo muito bom, não há uma separação concreta de nada entre 1980 e 2010. O acontecimento mais relevante nesses 30 anos foi provavelmente a queda do muro de Berlim e embora isso tenha mudado muito a leste, no Ocidente o sistema é praticamente o mesmo. A crise tem origem nesse estado social que parecia funcionar.

Para dar um exemplo meio parvo mas de simples compreensão, se em me endividar em 100 milhões de euros e tiver um período de carência de 30 anos vou poder fazer uma grande vida. Quando tiver que começar a pagar também vou poder dizer “ena pá, isto há 30 anos é que eu vivia bem. A crise é uma chatisse” mas obviamente os problemas estão interligados. Apenas porque demora 30 anos a aparecer uma relação causa-efeito não quer dizer que não estejam relacionados.

Falou-se muito no início desta crise como “os mercados falharam” e o “Estado teve que intervir para salvar o capitalismo”. José Sócrates profetizou mesmo “o regresso do bom e velho Estado”. Primeiro, o que vivíamos não era, para mim, um sistema capitalista mas mais importante do que isso é que a haver uma segunda leg down (como acredito que vai haver) será visível que o problema está exactamente no Estado (é olhar para a Grécia) e no tamanho das suas despesas - principalmente as sociais. que não conseguem ser financiadas. As crises de dívida soberana e monetárias que (penso eu) se aproximam irão demonstrar que a crise é uma crise de Estado, grande demais e que necessita de entregar a economia aos seus principais agentes para agirem livremente. O perigo depois passa por pensamentos mais ou menos JAMianos que poderão levar a algumas guerras para tentar manter um “status quo” que já não existe e implementar sistemas de protecção impossíveis de manter a longo prazo sem mergulhar as populações numa pobreza extrema.

Acreditem que a primeira razão porque “posto” aqui é pelo divertimento das discussões mas existem uma quantidade de razões secundárias. Uma delas é que com a informação que aqui coloco as pessoas entendam os erros das políticas económicas comummente defendidas pelo Estado e, por vezes, até exigidas pela população. Quanto mais conhecimento houver sobre o efeito negativo destas medidas menos apoio terá um Governo que as queira implementar.

Podemos discutir tudo isto num plano ético ou moral como já aqui foi algumas vezes feito mas no fim será inútil. A realidade tende a impor-se e independentemente da nossa posição ética sobre o facto de uns serem expropriados para outros não terem que trabalhar (e outras coisas que acontecem hoje nas sociedades ocidentais) este terá as suas consequências económicas, principalmente quando concorremos com outros com um código moral completamente diferente, alguns que até “endeusam” o trabalho.

Consumidores:
Ao contrário do que o “senso comum” diz, não são os produtores que “mandam” no mercado - são os consumidores. O mercado se for deixado completamente livre é uma mera “democracia de consumidores”. Cada vez que compramos o produto A em vez do B ou C estamos a colocar o nosso voto no mercado, a dizer que gostamos mais da forma como A é produzido do que B ou C. Existem algumas pessoas que acham que este sistema é incorrecto, que devia haver uma “ditadura de produtores” a gerir o mercado e isso pode ver-se mais nos movimentos sindicalistas. No entanto a maioria das pessoas não pretende isso, inconscientemente ou não o que procuram é um caso de “ditadura de produtores” naquilo em que trabalham e uma “democracia de consumidores” em tudo o resto, ou seja, querem, como o comum dos mortais, vender o mais caro possível (com a ajuda do Governo de preferência para penalizar a concorrência através de impostos como alfândegas ou de subsídios directos a eles próprios como nas energias renováveis) e comprar o mais barato possível (são normalmente contra monopólios em todas as áreas que não sejam a sua).

O CEO da INDITEX não vai para Marrocos porque gosta mais deles ou menos de nós. Ele vai porque acha que no futuro os consumidores dos seus produtos vão querer comprar mais barato. Está tão convencido disso que assume que se ele não for capaz de fazer um produto mais barato outro concorrente virá ao mercado fazer o que ele não faz e o levará à falência (o que eventualmente leva ao fecho da INDITEX no Rio do Ave à mesma). Em Marrocos ele encontra uma maneira de fazer face ao que ele acha que são as futuras tendências dos consumidores e portanto desloca-se para lá. Obviamente isto tem custos e se ele estiver errado (o que os consumidores queriam mesmo eram coisas feitas à mão no Rio do Ave) vai abrir falência por não ter antecipado correctamente as expectativas dos consumidores, eventualmente alguém virá para o Rio do Ave para satisfazer essa necessidade e voltará a haver empregados na indústria.

Ou seja, o CEO da INDITEX é irrelevante para o resultado final. Ele apenas fez uma estimativa como todos fazemos nas nossas vidas, podemos estar certos ou errados tal como ele. Quem manda no seu sucesso sou eu, é o JAM, é o Inc, é o Karnuss… são os outros biliões de pessoas neste planeta que vão julgar os produtos da INDITEX pela sua qualidade e o preço a que estes lhe chegam. Se não os comprarmos a INDITEX fecha, se os comprarmos indicamos que o CEO tomou a decisão acertada e pode sobreviver mais uns dias como produtor, até ser enfrentado com a próxima decisão onde terá de adivinhar novamente as intenções futuras dos consumidores.

Há os que não gostam deste tipo de “democracia” e que gostavam de ter os consumidores “presos pelos tomates”. Doutrinas como o comunismo, socialismo (nas suas mais variadas formas) e sindicalismo entendem que os produtores sabem tudo sobre os consumidores e que devem ser eles a decidir tudo. Usava-se antigamente um slogan do género “as fábricas para os trabalhadores” que representa mais ou menos este tipo de ideologias, normalmente assumem que a gerência é uma coisa que está a mais e que basta os trabalhadores continuarem a fazer até ao resto da vida aquilo que sempre fizeram (e eliminar os ordenados da gerência) para trabalhar menos e ganhar mais do que antes. Não é preciso ser um génio para perceber que com qualquer tipo de concorrência esta empresa está condenada ao fracasso (o mercado muda todos os dias, empresas estáticas não sobrevivem) e que sem concorrência o consumidor vai pagar uma factura bem cara. Mais, se alargarmos isto para todos os ramos de produção a qualidade de vida geral das pessoas (que deve ser sempre medida em bens e serviços que podem consumir) será fácil de ver que todos viveremos pior pois haverá quebras na produção. Normalmente quem defende conscientemente esta linha de raciocínio tenta aproveitar-se daqueles que pensam que quem manda no mundo são os capitalistas/produtores.

Para terminar só relembrar o facto que no sistema misto que vivemos (ou socialismo de 3ª via como foi baptizado por Guterres e Blair) o Governo acaba por se comportar na “democracia de mercado” como qualquer outro consumidor, com a pequena nuance que normalmente detém uma máquina de imprimir notas (ou votos) e/ou acesso a financiamento que traduz o mesmo efeito. Ora imaginemos que o Inc quer comprar X para fazer uma casa e o Socas quer comprar X para fazer um TGV. Visto que X não é infinito, e que a maneira de alocar X a uma casa ou um TGV é através do preço imaginem o que vai a “democracia” decidir se um dos intervenientes no processo tem acesso à tal máquina de imprimir votos…

2 comentários:

Pedro Miranda disse...

Viva Nuno,

Gostei muito da tua exposição. Só para te dar os parabéns!

um abraço

H. Ramos disse...

Aí está um belo post, mas discordo de si num aspecto.

De facto, a deslocalização de empresas para a China ou qualquer outro lugar não vai fazer da China um país ocidental. Vai fazer de todos nós chineses, enquanto os chineses vão ver apenas uma ligeira melhoria na sua qualidade de vida (se o CC assim o entender).

De facto, concorrer com a China não é possível a nenhum país Ocidental, por culpa principalmente dos Ocidentais.

Para que a concorrência seja restabelecida, ou os chineses adoptam direitos iguais/semelhantes aos dos países Ocidentais (o que se sabe à partida que não vai acontecer, pois os mesmos não se revelaram sustentáveis sem esquemas em piramide, da SS à bolsa de valores), ou os países Ocidentais degradam os direitos adquiridos para níveis Chineses - o que, sabe-se à partida, vai ter de acontecer e já está a acontecer.

O governo, poder-se-ia dizer que é como os bancos, empresta o guarda chuva num dia de sol para o pedir de volta num dia de chuva, mas nada mais falso.

O governo pede o guarda chuva num dia de sol para brincar aos páraquedistas e pede ainda mais nos dias de chuva, porque está aborrecido por estar a chover e quer brincar para se curar da neura.

Os únicos modos de impedir o que está retratado no seu último paragrafo serão:

1. Retirar o estado da economia, restabelecer a responsabilidade privada, acabar com o socialismo ou reduzi-lo à sua mínima expressão (fim do salário mínimo, pensões, segurança social, 13º mês...).

2. Restabelecer a responsabilidade privada nas decisões do estado. Responsabilizar os despesistas, corruptos, engrupidos, lobbies, etc et al.

E como se sabe, nenhuma delas vai acontecer sem convulsões sociais.

Mais vale começar já a fazer o desenho da 4ª Republica, que esta não chega a 2020....

Um abraço