quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A mão divina

Correndo o risco de depressa o inflaccionista (e sim, hoje em dia escreve-se “inflacionista” mas que posso eu dizer? A classe politica já fez mais acordos ortográficos do que D. Pio fez filhos desde que eu saí da escola) se parecer mais com um fórum do que com um blogue, não posso deixar de opinar sobre os últimos argumentos da tese inflacionista.

Alguns pontos levantados pelo Carlos desde o meu ultimo post:
1) O autor não defende valores para inflação altos (eu tinha referido 30% como uma estimativa por baixo do que seria necessário para re-inflar o sector imobiliário)
2) O autor quer uma inflação “moderada” (não sei o que é isto, vou assumir que sejam 2 a 4 por cento (no índice de preços ao consumidor e não no crescimento das massas monetárias) uma vez que de 0 a 2 por cento costuma ser referido pelas nossas elites como inflação baixa)
3) O autor espera que esta inflação venha (também?) pelo aumento das pressões salariais
4) O autor continua a achar que a inflação vai travar a descida do preço das casas, reabilitar o sector financeiro e puxar toda a economia atrás de si

Se alguma destas premissas está errada agradecia que o Carlos me corrigisse ou adicionasse alguma de que me tenha esquecido, em baixo fica a minha opinião sobre cada uma delas.

1) O cenário que tinha traçado do total colapso do USD e do comércio internacional correspondia a um cenário de inflação alta o suficiente para re-inflar o sector imobiliário. Parece então que tirei a ideia errada, ninguém quer re-inflar nada pelo que percebo pretendem apenas que pare de cair (a diferença é mais semântica do que outra coisa, os efeitos da intervenção são os mesmos apenas acham os defensores da tese que podem fazer isto com taxas de inflação mais baixas do que se tentassem mesmo re-inflar o sector imobiliário para os níveis de 2006).

Vamos esquecer por um momento que estou convicto do colapso do USD de qualquer das formas, com ou sem manipulação, o valor de qualquer papel moeda tende sempre para o seu valor intrínseco: zero. Esquecendo portanto esta minha convicção vamos dar de barato que o USD continua forte e saudável e em nada a sua condição vai contribuir para um pior ambiente de comércio global.

2) Eu também queria ganhar o euromilhões (de preferência em barras de ouro), infelizmente parece que não acerto. Outros há que se dedicam a coisas mais úteis como controlar a economia. Os autores da proposta parece que sabem o que querem, não sabem muito bem é como… alguém deve ter a ideia que uma qualquer mão divina (não a de Adam Smith, essa não faz milagres) vai zelar pelo FED e pela economia e manter as taxas de inflação dentro da banda ditada por um qualquer economista. Quem ler estas frases decerto pensará que Ben Bernanke tem consigo uma consola para utilizar na “Situation Room” da FED, diria o Presidente algo como:

- "Ora deixa cá ver que preciso de mais inflação, deixa carregar neste botão até ir aos 4%. Já esta bom, posso voltar a meter nos 2%. Alguém quer que eu carregue em mais algum botão enquanto estou aqui?"

Obviamente isto é ridículo, não há forma directa de controlar a inflação e basta olhar para o BCE para o comprovar. O BCE tem uma política de manter a inflação entre 1 e 2 por cento… alguém acha que foi um sucesso a actuação do BCE? Sobe taxa, desce taxa… a instabilidade que cria na economia e a inflação nos últimos 12 meses variou mais que um qualquer yo-yo. Ainda assim muitos economistas continuam a achar que podem controlar a economia, complexo de Deus ou apenas a curiosidade normal do Homem que os faz querer experimentar com brinquedos novos (como a impressora de notas) a ver o que eles fazem. Tempos houve em que os prémios Nobel eram atribuídos a economistas pelas constatações que faziam e que ajudavam a compreender o mundo complexo em que vivíamos, hoje esses prémios estão reservados para os mais inventivos.

3) Esta foi a parte que mais me surpreendeu. Não sei se o Carlos sabe ou se ignora que o desemprego nos EUA está em níveis perto do que houve nos anos 30, obviamente isto não se sabe pelos jornais, esses continuam a reportar taxas de desemprego abaixo dos 10% e a compara-las com os 25% que existiam na altura da grande depressão. Convém esclarecer que os métodos de cálculo de desempregados foi radicalmente alterado desde 1930 até hoje, se utilizássemos a mesma fórmula de cálculo para o desemprego que se usava em 1930 o valor real do desemprego nos EUA seria de 16%.

Alguém me explique de onde vão vir estas pressões salariais com este nível de desemprego? Só pode vir de um estimulo governamental para a criação de empregos, por exemplo, na industria de abrir e tapar buracos ao longo do Mississípi. Se o Estado estiver disposto a pagar 100.000 USD por ano a “trabalhadores” desses então eventualmente o sector privado irá ser forçado a aumentar os salários que paga se realmente quiser ter alguém para produzir alguma coisa ou, o que é mais provável, fechará as portas para a falência uma vez que não conseguirá fazer face aos mais altos custos de produção (altura em que provavelmente Obama lança mais um estimulo económico para estas empresas não fecharem).

4) E cria-se todo este dinheiro, para pagar a pessoas não produtivas, para manter as empresas arruinadas pela acção do Estado fora da falência, para manter o sector financeiro a flutuar mais uns meses enquanto a Administração e o Banco Central fazem a sua magia e enquanto esperamos que a Mão Divina coloque a inflação nos 4% (ou será 3.975% ? Isto é como a Fernanda Serrano? O FED consegue arredondar à milésima?)

Como é que isto garante que as casas não continuam a descer de preço? Não faço a mínima ideia… diz por aí que o preço das coisas antigamente era estipulado pela lei da oferta e da procura, como é que mais dinheiro vai estimular a compra de casas e não a compra de petróleo, trigo ou ouro isso ninguém explica. Continua a ignorar o ponto chave: O FED pode criar liquidez mas não pode direccionar essa liquidez, ou seja, vai estimular novas bolhas sem resolver nada.

Claro que, quem já interveio tanto no mercado não se importará de intervir um pouco mais. O FED ou o Governo pode simplesmente começar a comprar casas para as segurar… mas então para quê esta trabalheira toda? Nacionalizem as casas já e “resolvam” o problema.

Conclusão:
Esta tese de Krugman longe de ser uma tábua de salvação é exactamente o espelho do pensamento que nos trouxe até onde estamos agora. A verdade é que houve uma bolha e o mercado está a tentar corrigir os excessos do passado, quanto mais depressa corrigir melhor para todos e mais depressa podemos voltar a um crescimento sustentado… mas o Estado não deixa, as correcções são dolorosas e custam votos e então mexem e voltam a mexer na esperança de evitar o inevitável. No processo levam toda a economia para um buraco ainda mais fundo do que ela estava no inicio.

O que está em causa não é, simplesmente, se a inflação é ou não uma tábua de salvação para a crise mas até que nível deve o Estado intervir ou deixar ao mercado a correcção do problema (já se viu que não deixa de forma alguma). Existem duas formas muito distintas e muito claras de fazer as coisas:
1) O estatismo promovido por Obama (Bush ou McCain seriam iguais) e Bernanke – Este foi o caminho seguido pela União das Republicas Socialistas Soviéticas, estou certo que se pedirem com jeitinho Putin poderá disponibilizar traduções dos manuais económicos que levaram um terço da população soviética a morrer à fome (talvez seja daqui que vêm as pressões salariais).

2) O mercado livre que conduziu a América durante o século XIX. Não nos deixaram manuais de economia mas deixaram a inspiração de Bell, Ford, Wright, Eddison e tantos outros…

Entre Graham Bell e Joseph Stalin… “E agora Obama?” – A escolha é tua.

6 comentários:

CS disse...

Eu sugeria que relesse o que eu escrevi no post, ou que lesse o livro, antes de inventar o que não disse: por exemplo, eu disse que acho que o desemprego actual não permite criar pressões inflacionistas. Por isso, a ser válida a tese Krugman et. al, teria de ser a Reserva federal a criar essas expectativas.
Segundo, em que baseia as estimativas que usa: como 30%? Uma estimativa tem de resultar de um método de estimação aplicado a uma amostra. Qual foi a sua?
Terceiro, eu não sei qual é o seu problema comigo: eu disse explicitamente quem eram os autores das teses. Que me atribua as teses de um Nobel eu fico honrado. Mas não aceito o prémio, por honestidade intelectual.

Nuno Branco disse...

1) Pareceu-me que estava a defender a tese do Krugman (o recente vencedor do prémio Nobel, devia ter percebido por aí que me referia a ele e não ao Carlos) e é essa tese que é muito inventiva mas de senso comum parece-me ter pouco. Gostava que ficasse claro afinal se é contra ou a favor.

2) As estimativas de 30% baseiam-se nos preços medianos das casas dos EUA desde o pico de 2006 até aos preços de hoje (ver os relatórios do US Census Bureau e notar que reportam à média nacional, a situação em estados como a California é muito pior que a média).

De qualquer das formas eliminei completamente essa hipótese (dos 30%) da análise para a substituir por uma "inflação moderada".

3) O unico problema que tenho com o Carlos é que me parece que quer passar uma ideia de que intervenção é que é bom - ou pior ainda - que quer fazer passar que estas medidas não são bem intervenção no mercado. Isso é que seria falta de honestidade intelectual. Mais uma vez gostaria de ficar esclarecido sobre a sua posição

Os que têm conhecimento do que se passa e aceitam a passividade do silêncio (sobre estas matérias) serão tão culpados do nosso futuro como aqueles que activamente seguem estas políticas.

CS disse...

1) Um dos grandes problemas da História tem sido o senso comum. Era senso comum um universo geocêntrico, e não é que ele calhava de ser heliocêntrico? Eu prefiro sempre bom senso a senso comum. Além disso, não concebe a hipótese de se abrir uma discussão de alternativas e pesar prós e contras num livro, sem tomar posição?
2) Ok, e o que fez à série dos preços medianos? Estimou o quê a partir delas?
3) Depende do que considerar intervenção. Eu acho mal soluções em que se intervém na AIG e se deixa caír o Lehman Brothers: por não serem equitativas para os credores das duas instituições. Mas honestamente gostava de saber ao que chama de intervenção, para poder responder: parece-me ausência completa de política económica; mas suspeito que seja ausência de políticas de gestão da procura (políticas supply side: são intervenções para si?). É que a própria regulação financeira seria nesse caso intervenção. Já agora, entende por intervenção apenas a nacionalização (tipo Fannie Mae e Freddie Mac?). Explique-me isto por favor e eu sou capaz de lhe dizer a minha opinião....

Nuno Branco disse...

1) Estudar algo a fundo, ao ponto de sabermos tanto sobre o assunto para escrever um livro e depois não se tomar posição parece-me um caso de grande falta de decisão. Se alguém é um especialista em batatas saberá concerteza escolher as melhores batatas do mercado, não ficará a deliberar sobre os prós e os contras de batatas podres.

2) É irrelevante, eu estava a estimar que queria re-inflar a bolha o que afinal é errado. A "teoria" defende apenas a estabelização dos preços... também não percebi como chegaram à conclusão que 4% de inflação chegava mas adiante.

3) A intervenção está por todo o lado, cada vez que um banco central mexe na taxa de juro está a invervir no mercado regulando a oferta de dinheiro.

As nacionalizações são o exemplo óbvio e escandaloso de intervenção, tudo o resto que vemos no nosso dia a dia são os aspectos mais leves: Subsidios, condições especiais, leis reguladoras, etc.


Politica económica é um contra-senso, o Estado não produz nada de valor económico, porque deveria ditar politicas sobre tal?

Porque deve um burocrata de Bruxelas dizer a um agricultor açoriano quanto leite pode produzir?

Porque deve um contribuinte português contribuir para os salários de um trabalhador na Auto-Europa?

Nuno Branco disse...

Má escolha de palavras a minha, as intervenções não são "leves" mas sim "subtis".

O seu efeito negativo na economia não deixa de ser "pesado" por passarem mais despercebidas.

CS disse...

Para ver se percebo o lugar em que se coloca deixei-lhe uma série de questões em http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/01/cor-da-verdade-o-cinzento.html

Desafiava-o a responder. O blogue é moderado mas asseguro que publico as suas respostas. É que estou mesmo curioso.