O Carlos deixou aqui nos comentários e no seu blogue a ideia de que a inflação nos vai salvar da crise. Promovendo o seu livro aponta o caminho: O erro é a falta do anúncio de um crescimento monetário fixo: criar expectativas inflacionistas. O défice necessário era menor. Travava-se a desvalorização das casas, repondo confiança nos balanços bancários e facilitando o retomar do crédito. Chicago e Harvard defenderam esta solução.
Só posso assumir que o Carlos tem andado destraido...
A FED tem desde o início da crise tomado medidas altamente inflacionistas, não sabem aliás fazer mais nada. Relembro que o primeiro corte nas taxas da FED foi em Agosto de 2007 numa tentativa de estimular o crédito (uma politica inflacionista objectivamente, o seu sucesso é que já não é tão claro). Estes cortes nas taxas de referência foram-se multiplicando e estamos hoje com uma taxa de referência de 0.25% o que se traduz numa taxa de juro real negativa. Não só a reserva federal tomou estas medidas como as tomou ignorando completamente as pressões inflacionistas da altura ao contrário de outros bancos centrais mais cautelosos, como o BCE, que acabaram (pela força do Euro em relação ao USD) por proteger ainda uma grande parte dos aumentos das matérias primas sentidas no primeiro semestre de 2008.
Mas a FED não se ficou por aqui... os anuncios de injecções de liquidez foram muitos, por todos os bancos centrais, durante o ano de 2008. Penso que ninguém interpretará isto como uma politica deflacionista.
Mas a frota de helicopteros de Ben Bernanke só recentemente (Setembro de 2008) descolou com a impressão massiva de notas e a promessa de quantitative easing e maior manipulação dos mercados para combater os "perigos" da deflação.
Digam o que disserem, nunca poderão dizer de Ben Bernanke que ele não tentou combater a queda dos preços e podem acreditar que ainda tem mais armas para utilizar, a imaginação (infelizmente a dele é fertil) é o limite.
Depois de esclarecida que a politica que o Carlos defende é, afinal de contas, a politica que tem vindo a ser seguida (talvez menos agressiva do que ele desejava) convém perceber porque algumas pessoas vêem (incluindo Obama, Bush, Paulson e Bernanke) a inflação como uma tábua de salvação para a crise. O raciocinio é bastante simples e deverá ser mais ou menos assim:
1) Se nós imprimimos notas, as notas baixam de valor
2) Se as notas baixam de valor os preços sobem
3) Se os preços sobem as casas ficam mais caras
4) Se as casas ficam mais caras o colateral dos bancos passa a ter cobertura real através do valor de mercado das casas e deixam de abrir falência.
5) Se o sector financeiro recupera, o resto da economia vai atrás.
Já aqui falei várias vezes (aliás, o blog é dedicado a isso) sobre os efeitos negativos da inflação. É um imposto escondido sobre quem detém capital, os que pouparam, os que emprestaram e os que estão dependentes de rendimentos fixos para a sua sobrevivência.
O nível de inflação proposto (estamos a falar de valores, no mínimo, de cerca de 30%) arrasaria completamente as pessoas que caiem nas classes que mencionei acima, o custo é enorme.
Além destes custos a ideia está condenada a falhar, vários bancos centrais já tentaram no passado (inclusive o FED) e nunca conseguiram re-inflar uma bolha. Alan Greenspan bem tentou aquando do crash da bolha tecnológica. Tomou medidas inflacionistas na expectativa de re-inflar a bolha nos índices accionistas e falhou completamente. O banco central pode criar toda a liquidez do mundo mas não pode dizer (ao que ainda resta do mercado livre) onde aplicar essa liquidez. O resultado das politicas inflacionárias do inicio da década estão à vista de todos: Uma bolha nas matérias primas em geral e no sector da construção que rebentou em 2007 com os efeitos conhecidos. E as acções do crash e 2000? Essas nunca chegaram, em valores reais, a estar acima do que estiveram na altura do crash... a tentativa de re-inflar a bolha tecnológica não apenas falhou como criou novas bolhas em sectores não relacionados.
De seguida convém esclarecer que a agressividade que se alguns defendem (para a tábua de salvação inflacionista) como a melhor politica inflacionista do FED só pode ser comparada à politica do actual Zimbabwe, esquecem-se completamente dos efeitos que isto poderá causar a nível do comércio mundial.
O dolar americano está, fruto do colapso de Bretton Woods, há 40 anos numa rota de destruição, esteve à beira de ser estinto no fim da década de 70 mas graças a Paul Volcker e à sua politica monetária o USD foi autorizado a prosseguir a sua viagem não apenas alucinante mas também suicida.
O USD é hoje a moeda não dos Estados Unidos da América mas a moeda do mundo. Num acto colectivo de insanidade aquando da ultima falência do governo dos EUA os políticos à volta do globo decidiram atribuir valor a uns papelinhos verdes, sobre os quais não tinham qualquer controlo, em vez de assumirem as perdas que advinham dessa falência estatal. Assim, nos dias de hoje, o USD é o instrumento financeiro utilizado em todo o mundo para criar e extinguir dividas e é utilizado como meio de pagamento, directa ou indirectamente em todo o mundo, civilizado ou não.
A rápida desvalorização do dolar proposta só pode ter um efeito: a completa descrebelização do USD como um meio de guardar valor e efectuar pagamentos trazendo o colapso não apenas do dolar mas de todos os sistemas monetários actuais baseados em papel-moeda (o USD é hoje em dia o papel mais utilizado como reserva dos bancos centrais, evaporando-se a sua utilidade os bancos centrais ficarão sem reservas, veja-se o caso da China que "só" detém 2 triliões de USD em reservas e muito pouca diversificação).
Devido à repugnância que o actual poder tem ao ouro nem este poderia tomar o lugar do USD. O medo da confiscação seria demasiado grande pela parte de quem o detém (FDR ainda é bem recente na memória de todos aqueles que acreditam num sistema monetário baseado em valor em lugar de papeis) e o comércio internacional só teria um caminho a seguir: o colapso
Concluindo, a intervenção desejada no mercado de USD está para chegar, não haja duvidas que nem Bernanke nem Obama têm medo de imprimir as notas que forem precisas para impedir a pseudo-deflação que vivemos (era o que faltava os aforradores ganharem poder de compra), e que não haja duvidas também que a maior intervenção estatal de sempre na economia vai trazer consigo também as piores consequências económicas que o Mundo já viu.
PS: Espero que o meu discurso, tratando o autor dos comentários na primeira pessoa não seja de forma alguma tomada como um insulto e foi apenas assim escrito o texto por maior facilidae e porque afinal de contas estamos na Blogoesfera.
Para quem não sabe o autor dos comentários aqui no Inflacionista é o Professor Carlos Santos, professor de Economia na Universidade Católica o qual não conheço pessoalmente.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Inflação: A tábua de salvação?
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3 comentários:
Caro Nuno,
Por favor, pode-me tratar na 2ª pessoa e pelo nome próprio. A minha passagem pelo BCE e os anos de Doutoramento em Oxford fizeram-me ver o abuso dos títulos que fazemos em Portugal. E a blogosfera é, como diz, um espaço de troca de ideias. Não há mal em discordarmos cordialmente. O tom da sua mensagem não é de todo insultivo! Eu é que lhe peço desculpa, porque não terei neste momento ocasião de responder em detalhe. Mas fá-lo-ei mais logo, quando vier do debate da RTP N. Em todo o caso permita-me notar só um aspecto: o Barack Obama nunca disse uma linha sobre o plano de inflação que o Krugman defende. Ele propões essencialmente investimentos públicos, o que no contexto actual de desemprego, não me parece suficiente para induzir inflação via pressões salariais!
Noutro aspecto, o Alan Greenspan é responsável pela descida da federal funds rate até 1% durante grande parte de 2003-2005. A bolha no imobiliário, se resultou de crédito fácil (subprime) resultou também da baixa taxa de juro da Reserva Federal. Há aliás quem culpe o Greenspan pela crise do subprime.
Mas mais logo falamos. Um abraço,
Carlos Santos
Para começar parece que concordamos com o papel de Greenspan no inicio da década... bom debate.
O prometido é devido, e cá fica o link para a minha análise da proposta do Krugman:
http://ovalordasideias.blogspot.com/2009/01/o-policy-mix-de-krugman-parte-ii.html
Um abraço,
Carlos
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